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DESCULPEM-NOS





- Desculpe, não fiz de propósito! Só queria ir ao facebook colocar um autoretrato. Acho que pressionei o botão errado (as unhas de gel não dão jeito nenhum para teclar teclas de computador), e apagou-se tudo.

-Deixe estar colega,não é a única, eu também peço desculpas. Errei nos cálculos, nunca tive queda para as matemáticas: para fazer o quinto ano dos liceus necessitei sempre de explicador.

- É bom pedir desculpa, mais ainda quando o fazemos juntos, liberta-se o sentimento de culpa, de insucesso, a frustração de se estar sempre a errar.

-Cara colega, a dois, é tudo mais fácil.

-Sabe por acaso o colega se aqui na repartição podemos frenquentar algum curso de computadores em horário pós laboral?

- Já perguntou nos Recursos Humanos, se eles têm? Eu cá por mim já comecei a comprar uma colecção em fascículos semanais que sai no jornal. Chama-se: “como preencher uma folha de Excel”. Pode ser que tenha outros temas informáticos.

- Obrigado colega, vou ver. Entretanto, a minha filha fazia anos ontem e não recebeu o meu autoretrato no face. Que aborrecimento. O transtorno que isto me causa, nem pode imaginar!

- Bem a compreendo estimada colega, o meu erro também afectou – se bem que muito ao de leve – milhares de pessoas que queriam ir para o trabalho e ficaram sem saber onde. É um contratempo, confesso.

- Olhe e se pedissemos de novo desculpa? Em uníssono,a duas vozes? Espaira a tensão.


- Vamos nisso: DESCULPEM! 

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