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Mensagens

A mostrar mensagens de julho, 2016

SOL E PESCA

Não é propriamente um bairro. Num bairro habita gente com animais de companhia, este sítio é um local de pessoas de passagem, circulantes, caminhantes  acinzentados  indo e vindo das suas ocupações da vida. Alguns param, intervalam ao fim do dia para conviver e beber nos estabelecimentos antigos e poucos que sobrevivem. Na nomenclatura das lojas, dos bares, dos nightclub , figuram nomes com as toponímias do mundo: Copenhaga, Tóquio, Jamaica, Oslo, Europa. Dá-se a volta à terra na distância de uma rua, com o chão pintado na cor da rosa. O comprimento do mundo em trezentos metros estreitos. A zona foi pouso de marinheiros e senhoras de profissão liberal com contador de moedas entrepernas. Agora passam turistas escrutinados pelos olhares desconfiados dos residentes escassos, amarelados há muito pelo insidioso mal da nostalgia, que lhes põe essa cor emaciada. Velhos que se deixaram ficar, e ao darem conta disso, tinham raízes a prendê-los às pernas dos bancos de madeira
Sem a necessidade de encadearmo-nos com as cores iridescentes, mas metálicas dos ecrãs das máquinas, o mundo existe e é assim pela manhã, com a possibilidade de vir a ter um céu limpo ou plúmbeo.

AVENIDA USHUAIA, 5º ANDAR SEM ELEVADOR

“ Morena, tronchuda (esta palavra não estava no anúncio mas apetece dizer), muito meiga, esperando você.”, “Relaxamento completo, profissional viajada por esse mundo fora, pode escolher do menu.”, “Tamanhos grandes, desinibida, me chame gatão.” Folheia o jornal aborrecidamente e tem um dejá vu de muitos anos já passados. Está a ler um jornal, na secção dos anúncios e fantasia sobre as ofertas de sexo, muito veladas ainda, um mundo ainda por iniciar. Antes, eram mais contidos os anúncios, como tudo. Tinha acabado recentemente o tempo da censura, mas persistia uma moral bafienta e mole, colada às pessoas, esse horroroso sentimento de culpa – o pecado dos laicos – uma polícia dos costumes que continuava no activo.    Voltou  à realidade, foi uma fracção de segundo. Fotografias pequeníssimas mas apetitosas, tudo à mostra, corpos de mulheres e homens com atributos apreciáveis, levando a imaginação a antever os não visíveis atributos potencialmente apreciáveis. As mensagens

OS INQUILINOS DA MEIA LARANJA

Sentados em fila no banco corrido da paragem de autocarro, todos rodam a cabeça ao mesmo tempo, repetem o movimento: para um lado, para o outro. Varrem o campo de visão imbuídos numa pequena ansiedade. Imitam os bonecos de plástico que se vendem nas lojas dos chineses – quando se compram fazem-se vaticínios para quando vão deixar de funcionar. Alguns duram muito, é como as pessoas. Quem vê ao longe os que ocupam esse banco incómodo na paragem desagradável da noite, imagina-os silenciosos, congelados na posição de sentados. A pista de que existe naquele cenário um sinal de vida adivinhável, que não é uma instalação artística de ambiente urbano, hiper-realista, é poder-se comprovar a realidade de uma linha de olhos alinhados pestanejantes, que vasculham a chegada da carrinha das sandes. Os proprietários dos olhos que são assinalados neste banco, todas as noites, à mesma hora, os mesmos e às vezes alguns mais, são um bando de putos traquinas fingidos de bem comportados.