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A mostrar mensagens de abril, 2017

UMA PALAVRA QUE SE USA POUCO

Mansamente, é meigo de dizer. Doce e pacífico. E quase inaudível: mansamente. Ninguém no seu juízo se incomoda que nos façamos anunciar nas suas vidas mansamente. Assim devia constar nos manuais sobre conduta. Um perigo escrever manuais de conduta. N o início, na verdadeira e irrepetível primeira vez de tudo, fazê-lo de mansinho, que pode ser dócil, ou sereno, ou puro, ou só e bastamente de mansinho . Se for assim, depois não haverá violência. Será sempre bom assim. E amor.

SORTE

Afastam o sol dos ombros, como a caspa, incomodados, presumidos, porque tudo é fácil, ao pegar da mão. Outros rangem no frio da sombra gélida, chafurdam na existência, não se aquecem convenientemente. São as ditaduras do acaso. A escolha é sempre injusta para quem é triste, ainda mais se for pela tirania das casualidades. Reclamar é um esbracejar inútil, não dá calor nas articulações. O tempo que se leva a recuperar da casa de partida, as vezes é nunca. Os que apanham os adiantados, chegam cansados e ficam-se aí, esbofados, mal tocam com a ponta dos dedos nas costas dos que vão à frente, estatelam as fuças no lajedo escorregadio.

ABRIL EXPECTATIVAS MIL

Temos Abril, um mês a que devemos tirar o chapéu, velhos e novos. Há uma lista de obrigações a cumprir e nem todos se lembram. Aqui vai: Receber condignamente a Primavera. Saudar as flores, os pássaros e a as abelhas, com entusiasmo. Ter fé que as condições melhorem para se ter um grande verão. Responso: Sejamos honestos, não temos cuidado dos meses passados como devíamos ter feito. Se as condições estão agora incertas e tremidas, a culpa foi nossa. No início, quando o tempo abriu, era o espanto, tudo era novo, as pessoas andavam atarantadas. Depois foi o tempo do gozo, de uma liberdade nunca antes experimentada, sem impedimentos nem prisões. Veio depois da festança o tempo para fazer, eram muitas as obras de renovação, trabalhos a pedirem maestria, o cabo deles, mas tinham que ser feitos. Alguns quiseram continuar em festa e descuraram. Outros abrandaram, acharam que tudo correria bem, só por si. Todos facilitaram. Depois os que tiveram estas t

O BEIJO

O rigor matemático que se exige num beijo para se atingir os mesmos níveis de emoção de um míssil que alcança a estratosfera enquanto o diabo esfrega um olho, obriga a capacidades diferenciadas: ser bom aluno das matemáticas dos beijos bem dados e aguentar sem falência cardíaca fulminante o impacto do amor, comparado com a projecção a uma velocidade vertiginosa de um projéctil na direcção desembestada do fim do mundo, nome que alguns damos ao infinito do espaço sideral. Reunidas as condições, um bom beijo é quase a melhor coisa do mundo. Um beijo para ti, outro.  Dá-me um tu.

GLADIADORES

Num relampejo, estaremos babosos e sôfregos a baixar os polegares, pedindo a morte dos gladiadores, em coliseus imensos com enormes ecrãs de plasma  espalhados por todos os ângulos, para vermos a morte com detalhe e conforto.

DA MORTE

A morte é o lado negro da vida e seja como for quando for, é horrível e não a queríamos nunca se se pudesse não querer. Mesmo construindo desculpas torneadas e rendilhadas e filosóficas, mesmo com folegos e promessas de imortalidade e paraísos esplêndidos, mesmo que se façam finas poesias com todas as métricas certas e depuradas elegias à morte, é tudo mentira, ou equívoco, ou inútil. A banalização constante das imagens da morte enjoa, adoece, afrouxa, desliga da realidade. Chega o momento que se passa para insensível. Ganhou-se imunidade pela repetição do feio. Mas quando tocar ao nosso lado, a nós, nas redondezas dos que nos cercam, não  vai ser insensível, vai ser atroz. Nesse instante fere forte e fundo e feio, e mata, e acabou-se. A morte é o acontecimento mais desinteressante e malcheiroso da vida, não há necessidade de nos entrar pelos olhos dentro para que nos lembremos dela, lembrança que dispensamos enviando cumprimentos e saudações e que se fa

PÁSCOA

Os meus votos de uma santa Páscoa vão para todos os homens, que se põem constantemente em bicos de pés e levantam os braços com as mãos bem abertas para o céu, não para querem imitar os deuses, mas para ampararem a queda de todos os que são projectados pelos vendavais e remoínhos da vida, coisa difícil de levar.

FUMAR MATA

Eram em número de três, mas a simbologia dos números é um assunto tão distante neste episódio como chamar Pitágoras para a conversa. Acabados de sentar na mesa que quiseram escolher, o restaurante estava vazio por ser Páscoa e as pessoas na primeira oportunidade não vão trabalhar. Se for para comemorar uma efeméride religiosa melhor, todos muito religiosos, mais às sextas e segundas, se der ponte aprofunda a fé. Sentaram-se e ainda nem pediram nada. O prato do dia é carne de porco à alentejana. O detalhe do prato está na frescura da ameijoa e nos pickles. Se forem honestos com estes dois ingredientes, só com muito azar é que as batatas devidamente fritas e secas não se apresentam aos quadrados crocantes. O porco é simples: temperado com pimentão, uma pitada de cominhos, pimenta preta e frito com um bom azeite, não deixa ficar mal o executante. Há quem ponha louro. Nem água estava na mesa, somente pratos brancos menos mal, guardanapos de papel menos bem, um garfo, uma f

AMOR PERDIDO

O destino separou-nos na rotunda do Marquês de Pombal. O teu futuro subiu a Fontes Pereira de Melo, O meu a Joaquim Augusto de Aguiar. Nos dez segundos que o semáforo levou a passar do vermelho ao verde, Vivemos a mais intensa história de amor. Não guardo rancor pela separação. A culpa foi dos dois, não podíamos parar os carros e beijar-nos sofregamente no meio de uma rotunda. Amei-te intensamente, e tu a mim, que percebi nos teus olhos. Como te chamas?

O MEU MINIMEU

Feliz estou muito, mas igualmente apreensivo. O meu filho que não posso nomear nome próprio para preservar a sua intimidade, estava ansioso para viver. Uma vez criado, que seja para viver. Sete meses no tédio da barriga da mãe, cansadíssimo, com ruídos incomodativos a todo o instante, foi mais do que suficiente para considerar-se fisiologicamente capacitado a ter sucesso numa carreira a solo. Não posso estar em desacordo com a decisão, uma vida é um tempo tão pouco, se estamos prontos porque não avançar? Foi o que fez. Obrigou-se a ser parido. Esteve três dias a ponderar as condições e tomou conta do seu assunto: mandou o tubo do oxigénio dar uma volta, achou que continuar no escuro era entediante e contra conselho médico, entreabriu os olhos, que eu, pai, ainda não sei a cor, não lhos vi bem. Os médicos nem sempre têm razão e o meu filho tem uma personalidade forte. Se quer ver que veja, se quer fazer escolhas fracturantes que faça. Sou adepto de uma edu

DO AMOR

Amante com um grande potencial por realizar e  não se percebe porque ainda não teve sucesso. O amor é o tema mais empolgante dos ritmos do coração, os outros são obrigações de músculo. O amor é uma ponte suspensa – um cabo de aço tenso – entre a suposição e a realidade. Permite dois caminhos bi-unívocos. Não há bons nem maus funambulistas, ou os candidatos se equilibram e não mergulham de cabeça no grande vazio, ou o mergulho é o desfecho esperado, sem que se saiba, para não desmoralizar os equilibristas quando dão o primeiro passo. É no pingue-pongue dialético do amor-desamor que nos atrapalhamos a todos os momentos. É o mais complexo dos desafios e não é controlado pela cabeça - dito a frio para que fique dito. Continuando: é nos ângulos das ruas que se chamam esquinas de amor-desamor (que pode ser júbilo-abandono) que tiramos as medidas à vida, fazemos bainhas, às vezes ficam curtas. Pode-se optar por ver televisão. Nas influências do amor pairam

GALERIA DAS CURIOSIDADES - capítulo 2

Hoje deitam-se as vistas sobre a pintura e o desenhos, pendurados nas paredes, encostados a algo, em cima de algum objecto que pode ser uma prateleira, um móvel, uma qualquer coisa que sirva a função. Neste proto-museu, o curador é o criador, é dos poucos armazéns de arte onde não há luta de classes. Apaixonado quase por igual por todos os seus feitos, as obras, os seus meninos, não escolhe uns e outros não: expõe todos. O visitante que escolha por si e sem guião, que o criador não tem explicação para o que criou nem história para contar. É um pantomineiro, de belas pantominas. o sítio Pontas soltas Um tio afastado de perfil, uma certa exposição em Setúbal há muitos anos, um lutador de Sumo. O tal tio muito afastado. Rostos Amigos do estrangeiro. Riscos que podem se fios soltos de um tear,não se sabe. Assinatura Caras de conhecidos e amigos. Pensos nos orgulhos feridos

SOBRE ESFERAS

Os carrinhos de esferas, isso sim é uma memória épica. Tínhamos um entrave logístico que deu muito concílio e não foi fácil de resolver: o plano inclinado. Sem um não havia corrida. Analisámos, da forma que as crianças analisam as coisas, que é a de não haver complicação nenhuma e avançámos, porque o importante é a brincadeira e para isso todo o tempo era pouco. Os que tinham dúvidas sobre o pano inclinado e ficaram ainda a pensar, eram os panhonhas, e ainda hoje são, se bem alguns tenham conseguido sucessos, diga-se financeiros, não se percebe bem porquê. Os desenrascados queriam brincar, sem mais planos nem reflexões esdrúxulas. Alguns destes, eram tão desenrascados que depois de feitos, vida feita e tudo, tiveram que emigrar para pagar as contas dos anti-histamínicos – pela hora da morte – dos filhos. Voltaram para África, desta vez com Vistos de permanência reduzida.   Só podia ser na rua dos Altos Estudos Militares, que tem uma inclinação apropriada - nem muit

SEXTA-FEIRA DIA DE POESIA

Hoje é sexta-feira Dia de poesia. Ė o único motivo e é plausível. Não fosse sexta-feira, Um dia que fecha os olhos a rimas e métricas, E apetecia dizer MERDA. Os dias não estão para simpatias. Merda não rima com nada pelo cheiro. A não ser hoje ser sexta-feira, e estarmos convencidos que só a chuva quando queremos sol, pode estragar os nossos panos de felicidade,  Deixamos a merda para depois. O mundo só se desconjunta nos dias de semana. Nisso é formal..

GALERIA DAS CURIOSIDADES - capítulo 1

E smiudamos o Gabinete das curiosidades, para os lados da Atalaia, ao Bairro Alto, onde o artista recriou um proto-museu romântico. É um lugar simples de estar, um estabelecimento que será de comeres onde entretanto um "ocupa" faz pintura no ritmo lento do bairro, meio-adormecido nos dias   praticamente em suspenso , na expectativa, sempre a mesma, de noites movimentadas. Aparecem fugazmente alguns amigos e desconhecidos, ficam a usufruir e desenrolar palavras que tricotam conversas,  algumas interessantes,  se não forem só monólogos, e silêncios, que os há no intervalo da música companheira inseparável sempre a fazer-se ouvir. Passa também p or lá uma fotógrafa, enfunada de sensibilidade e bom-gosto, e capta momentos. São esses momentos que apresentamos nesta galeria improvisada. Espera-se que as fotografias-quadros estejam bem penduradas - inclinadas não estão - com a ordem que não é nenhuma, é a de serem todas boas. O Pintor é o Paulo Robalo, a fotógrafa a Clá