Eram em número de três, mas a simbologia dos números é um
assunto tão distante neste episódio como chamar Pitágoras para a conversa.
Acabados de sentar na mesa que quiseram escolher, o restaurante estava vazio
por ser Páscoa e as pessoas na primeira oportunidade não vão
trabalhar. Se for para comemorar uma efeméride religiosa melhor, todos muito religiosos, mais às sextas e segundas, se der ponte aprofunda a fé.
Sentaram-se e ainda nem pediram nada. O prato do dia é carne de
porco à alentejana. O detalhe do prato está na frescura da ameijoa e nos
pickles. Se forem honestos com estes dois ingredientes, só com muito azar é que
as batatas devidamente fritas e secas não se apresentam aos quadrados crocantes.
O porco é simples: temperado com pimentão, uma pitada de cominhos, pimenta
preta e frito com um bom azeite, não deixa ficar mal o executante. Há quem
ponha louro.
Nem água estava na mesa, somente pratos brancos menos mal, guardanapos
de papel menos bem, um garfo, uma faca com serrilha barata, uma colher de
sobremesa e um copo multi-funções.
Mesmo concentrado em desvendar um defeito ao prato, não podia
deixar de ouvir a conversa.
- Matou a mulher só porque lhe recusou um cigarro.
- Para que é que estas pessoas fumam?
- Se não fumassem nada disto tinha acontecido.
- Se ela não fumasse, ele não a tinha morto.
- Mete-se um gajo em cada carga de trabalhos!
- Fds. Para elas….
Comeram a carne de porco. Com o café, um cheirinho de bagaço na
chávena para disfarçarem sabe-se lá que desculpa.
Na mesa ao lado destes três, um livreiro almoça almoçando como
todos os dias. Não se lhe ouve a conversa, se calhar literária, mas há muita
mistificação. É educado no volume do que diz à sua companheira que pela forma
como o olha e atenta ao que ele lhe diz, está compulsivamente apaixonada pelo
livreiro.
Não se sabe a sua opinião sobre os malefícios do tabaco mas se é
um livreiro que lê livros, será condescendente – há e houve grandes fumadores que
apesar desse vício escrevem bem.
Afinal parece que não foi bem assim. As notícias da noite
noticiam que ela recusou-lhe um cigarro e emitiu uma opinião que ofendeu a sua virilidade.
Em defesa da sua honra ele empurrou-a inadvertidamente para uma ribanceira,
onde ela bateu, também inadvertidamente, com a cabeça numa pedra que estava
posta no caminho.
os comensais tinham razão, fumar mata.
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