Ando a escrever um livro, não a minha obra prima. Essa depois
de escrita tomou por decisão, que respeito e não contrario, a procura de
refúgio monástico. Fechou-se numa gaveta que por lá tenho, e emudeceu. Respeito
as suas convicções e não a vou visitar.
Ando a escrever um livro que fala de amor. Não é por ser esse
tema, podia ser outro, mas não consigo terminar. Acho que me tomei eu mesmo de
amor por ele, impossibilitando-me de libertar o objecto amado. O amargo da
perda ou da perca – que nunca sei – abate-me. Encontro sempre e por isso, uma
boa desculpa para acrescentar algo mais, aplainar palavras mais rudes, rever
pontuações.
Como se soubesse fazer isso, aplainar ou rever. São assuntos
de entendidos e eu não sou entendido, em nada. Mas são as desculpas, para
termos um convívio diário, e enquanto se mantém uma relação assim, mesmo que já
não seja honesta, atiça-se a esperança de mantermos uma dependência.
Ela, a história, estará desejosa de ganhar a sua, neste caso
independência, eu, inseguro e necessitado de companhia, finjo que não entendo e
continuo todos os dias a fazer revisões começando sempre na primeira linha. É
certo que as primeiras cinquenta páginas já foram revistas umas vinte vezes,
mas ainda não estão bem. Faltam as restantes, que são cinquenta. Quando chegar
a elas, com afinco e o pormenor que me exige este livro, levarei o tempo
correspondente que gastei nas primeiras. Depois terei que fazer ainda uma
leitura final, pausada e sem pressões, com tempo.
Acho que nunca vou acabar, mas temo que seja isso que quero:
escrever um livro só para mim.
E também que interesse tem um livro do amor incondicional?
Isso existe?
(terei abusado da pontuação interrogativa?)
Comentários
Enviar um comentário