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Mensagens

Está um frio desgraçado.

Está um frio desgraçado, está mesmo um frio filho de puta, que assobia pelas pernas acima  põe os pelos das pernas em estado de alerta e não me deixa exercer a  profissão adequadamente. Esta estrada, que é recta, graças a Deus, por ser grande, dá-nos tempo de mostrar o produto mal um camião  desponta ao longe.  Chama-se coina. O gajo que lhe deu o nome não devia estar bom da cabeça, acrescentou-lhe letras, ou então é assim mesmo em honra a esta profissão miserável.  Estou mesmo a ver no dia em que o presidente da Junta, inaugurou esta recta que não tem fim, e destapou o marco com o nome dela.  Ando nesta vida há dez anos que parecem cinquenta. – coisas de  família . Parecem mas é uma data de vidas umas em cima das outras, como aquelas sandes que os gajos no Porto chamam  francesinhas! Vidas em camadas, cheias de molho, que só entopem o coração. Passo o tempo sentada de perna aberta virada para a estrada, na mesma puta de pedra, que me faz as vezes de um sofá duro c

Homem Bala salva a Doninha bem-cheirosa

O super, mega, ultra-sónico homem Bala, atravessou o mundo de um lado ao outro, num relampejo de olhos para salvar a doninha bem-cheirosa, feita prisioneira do bando das formigas gigantes. O nosso Bala ouviu o gemido de socorro da doninha, do outro lado do mundo, porque tem uns super poderes fantásticos e ouve realmente muitíssimo bem. Já estava com o seu pijama patusco dos pinguins , com os pés repousados na mesa – coisa que os meninos não devem fazer, porque é feio – a descansar de mais uma missão ultra-secreta de salvamento, quando recebeu a sua mensagem. Foi só o tempo de pôr aos ombros a hiper capa-asa e partir em socorro. Habitualmente, é pela janela da sala, no terceiro andar, que ele costuma sair. E assim fez. As formigas gigantes são tantas, que nem se poderia alguma vezes contá-las a todas! Mesmo que se pusessem todas alinhadas, sossegadinhas, era preciso que houvesse alguém cheio de paciência e muito bom contador, para chegar a um número final   e se por ac

Deus

Percorro todos os dias o mesmo caminho, a caminho do trabalho. Reconhecemo-nos caras, anónimos como eu; caras que tomam café, atrás das vitrines de pastelarias, eles dentro, eu passeando o meu olhar sobre eles; caras de transeuntes à porta de um supermercado de análises clínicas, que já vi duas ou três vezes, em pouco tempo; caras de taxistas à espera de fregueses. Dos que saiem da estação de comboios e fazem o mesmo trajeto, rua acima, temos alguma intimidade , somos a mesma tribo. Entreolhamo-nos, nas paragens temporárias enquanto não mudam sinais para atravessar as ruas que nos cruzam, e sempre os mesmos, expectantes da alternância para o verde dos peões, para serem os primeiros a chegar ao outro lado, da rua.  São os mesmos de sempre que pausam nos quiosques para uma vista de olhos na banca; os que vão  pelo lado direito, ou esquerdo do passeio, já os identifico; os do meio, geralmente, não são habituais, andam mais pausadamente, não têm pressa de chegar, seja lá onde, e

Testemunha

Estou numa torre, só pode ser uma torre. A altura desta torre é enorme, estou suspenso nela, sei que tenho vertigens mas sou atraído involuntariamente para uma janela recortada numa parede irregular. Está a acontecer comigo o fenómeno magnético de atracção dos ímanes. Plasmado numa janela. Não distingo nada com nitidez. A força que me atrai a esta possibilidade de janela, não me autoriza a mexer um único músculo. Desagradável. Estou colado a uma janela porque pouco antes desse fenómeno involuntário ter acontecido, reparei num ponto de luz minúsculo na imensidão da parede vazia, onde um luar provável batia o pé às trevas da noite. E foi precisamente para esse ponto que fui sugado, só porque olhei para ele. ... Olho e pouco vejo, mas continuo cheio de vertigens. Acho que flutuamos. Eu e a torre? Nem sequer sei se estou numa torre ou num barco desgovernado. O balanço está na cabeça ou vem de fora de mim? ... Sinto que não estou sózinho. Estou numa sala, mas a jane