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Mensagens

O meu Iphone nunca funcionou

Joga-se ao tostão, cara a cara, o momento da vida, no hospital das bonecas. Mecanismos, luzes fortes, sons estridentes anunciam a expectativa sem uma resposta definitiva que nos descanse. A continuação da vida em modo suspenso. Esperança pelo sim. Que não nos toque o mau som, que não se apague a nossa luz, que as linhas da máquina continuem histéricas, para cima e para baixo. Bom sinal. Desta vez escapámos, foi o do lado. Somos solidários nos piores momentos, mesmo cheios de egoísmo. Anjos brancos atarefados de um lado para o outro, sem parar, usam todos os estratagemas e truques e magias. Uma vezes sucedem, quase sempre, não desistem... são homens. Um homem de barba vestido de negro, a mulher também, a família imensa, lá fora acampada, em negro, entram constantemente por ali adentro, ambiente desinfectado, sem lavar as mãos. Não ligam a isso apesar dos protestos constantes dos anjos. Esquecem-se de pôr a bata verde, o verde que separa o ar pur

O olho de vidro da minha tia florinda

A minha tia tinha um olho de vidro e à noite afogava-o, maneira de dizer ,num copo de água em cima do psiché. A água não era gaseificada, mas constituíam-se pequeníssimas e inúmeras bolhas à sua volta. A modos que um olho numa flute de champanhe. Para quem está habituado a dentaduras a boiar, esta foi uma grande ideia da minha tia. Sendo uma mulher com o sentido prático da vida, e como não se está a ver ninguém dormir com um fechado e outro aberto,   não tendo outros inquilinos, arrendou o aquário ao vítreo. Foi o meu avô que lhe ofereceu o olho, mais para ganhar as graças da sogra e ficar oficializado o namoro com a minha avó, sua irmã , do que atenções à zarolha. Foi no entanto um gesto de simpatia. Um dia já sem memória que a bicheza das campas   as comeram ao mesmo tempo que as carnes, chegou a casa delas com um embrulho de papel pardo na mão e disse alheadamente: toma, a ver se encaixa. A minha tia desembrulhou-o na expectativa das testemunha

MARIA

A Maria   é encantadora. Sessenta e sete anos bem medidos, não em tamanho , mas na energia inesgotável. Não via a minha Maria há muito tempo. Ai o meu menino, fez-se homem. E abriu a porta da boca, agora só com dois dentes como porteiros. Sendo feia, tão feia, como consegue o sorriso mais espontâneo deste universo? Tão bonita a minha Maria! A explicação encontra-se na metafísica! Como vai a vida D. Maria? Vamos menino, vamos costurando as voltas a ver se nos deixa de rabear. E vai-se vivendo não é? tem que ser D. Maria.   E quanto tem de reforma? É um dois mais um cinco , um sete e seis e oito também. Chega-lhe? É poucachinha menino. E quando paga de renda de casa? Aí menino, esses números são todos repetidos, até me engano. Deixe ver: é um nove e outro e mais um e acaba num três. Esgotou-se-me o à vontade com as perguntas. A pior das vergonhas é quando a temos pelos outros, dobra. Facilitei-me demasiado, na â

Irmão meu.

Irmão meu, por aqui o tempo é o da fraqueza, da falta de força para evitar que o que criámos juntos que, diga-se, ficou muito aquém do que ambos desejamos, se desvaneça ainda mais. Não sei explicar-me porquê, a minha estupefação perturba-me o raciocínio, talvez porque seja francamente ingénuo é o que acho. Mas sobreleva a hipocrisia, a ligeireza esperto-matreira, e grave, grave… a impunidade e despudor. É ligeira a forma como se arquitetam as ideias e mais ligeira ainda a perseverança com se levam à prática. Nascem assim do pé para a mão, como se não fosse possível terem raízes e lançam-se assim da mão para o pé que as chutam longe e bem para cima, para onde não podes alcança-las. São ideias sem raízes, que ali ficam pululando com a determinação de serem únicas, frequentemente disputando a inconsistência do achismo. Por princípio valem todas, mas depois valem sobretudo as ideias a que não podes dar valor… por mais que o teu cansaço te desmobilize. Para tão longinquamente

Meu Irmão

Meu irmão, não sei como tem estado o tempo por aí, nem tu o deves saber, que chegaste há pouco, e estas coisas do conforto, não são do pé para a mão. Aqui foi bom. O dia e a noite – se assim se pode dizer – foram luminosos, apeteceu sair à rua, sorrimos descaradamente,  o frio não se fez sentir. A noite esteve muito simpática, e depois quando se fez dia, o sol que é dos nossos, aqueceu a alvorada. Imagina que até as flores que comprei com uma semana de antecedência, ganharam ainda coragem de se porem de rijas e sedutoras . Aguentar até mais não. Não há flores como as nossas! Preguiçámo-nos orgulhosamente pela cidade, por aqueles locais que ambos gostamos, sabes? Houve momentos até que me confundi: era um oceano de cravos andantes ou um mar de homens, ou flores e homens todos misturados e mesmos, ou sei lá eu o quê, inebriados de novas vontades. Não importa, eram muitos, fomos todos muitos. O largo encheu-se. Deixa-me que te diga, que a lágrima

Abril

Se há um mês que gosto, é Abril. As últimas águas limpam os céus das invernias e dos dias tristonhos. As temperaturas amenas, descongelam-nos e abrem   sorrisos . Abril anuncia a transformação: saímos da caverna para dar a cara à luz vibrante dos dias. Somos muito mais felizes neste mês, falamos mais despreocupadamente com os outros, partilhamos passeios e fins de dia, flauteamos por aí. No inicio do mês ainda estamos um pouco aturdidos com tanta luz, habituados que estávamos a longos meses de trevas escuríssimas. Mas em passando o calendário, vamo-nos aligeirando, pondo-nos mais à vontade. Já apetece por uma flor ao peito , porque as há   viçosas e coloridas nessa época. E lá vamos, inchados de contentamento, calcorreando as ruas e as vielas, sem norte fixo, mas com um prazer ingénuo. Andamos a passear a flor do peito, que nem lordes, na ausência de peso, privilégio dos homens livres. Vamo-nos encontrando aqui e acolí, todos com elas na lapela,