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Cartógrafo do desconhecido

Despertou cedo, foi passear. Vestiu roupa simples e cómoda, calçou umas sapatilhas afeiçoadas aos pés, fechou a porta delicadamente para não incomodar os objectos que ainda dormiam. Alisou-se uma passadeira vermelha. Pleno de si, O pé direito fez o primeiro gesto, desafiou o parceiro do lado. Estava um tempo agradável, nem frio nem calor, ideal para grandes caminhadas. Ciciava uma aragem apenas detectável, os primeiros passos, comedidos e lentos, estimulados pela perspectiva de um excelente passeio, cedo se ficaram afoitos. Assim foi andando. No fim da passadeira, apresentaram-se novas possibilidades, primeiras escolhas, inúmeras ramificações oferecidas, como árvore desenhada no chão, e ele confiante, aceitou. Seguiu sem definição de rumos, deambulou inchado de inocência. A companhia acolhedora do sol lampejante e os sons espontâneos da natureza, aligeiraram o seu pensamento. Leve, deu passos mais longos, ganhou distâncias, afastou-s

O meu Iphone nunca funcionou

Joga-se ao tostão, cara a cara, o momento da vida, no hospital das bonecas. Mecanismos, luzes fortes, sons estridentes anunciam a expectativa sem uma resposta definitiva que nos descanse. A continuação da vida em modo suspenso. Esperança pelo sim. Que não nos toque o mau som, que não se apague a nossa luz, que as linhas da máquina continuem histéricas, para cima e para baixo. Bom sinal. Desta vez escapámos, foi o do lado. Somos solidários nos piores momentos, mesmo cheios de egoísmo. Anjos brancos atarefados de um lado para o outro, sem parar, usam todos os estratagemas e truques e magias. Uma vezes sucedem, quase sempre, não desistem... são homens. Um homem de barba vestido de negro, a mulher também, a família imensa, lá fora acampada, em negro, entram constantemente por ali adentro, ambiente desinfectado, sem lavar as mãos. Não ligam a isso apesar dos protestos constantes dos anjos. Esquecem-se de pôr a bata verde, o verde que separa o ar pur

O olho de vidro da minha tia florinda

A minha tia tinha um olho de vidro e à noite afogava-o, maneira de dizer ,num copo de água em cima do psiché. A água não era gaseificada, mas constituíam-se pequeníssimas e inúmeras bolhas à sua volta. A modos que um olho numa flute de champanhe. Para quem está habituado a dentaduras a boiar, esta foi uma grande ideia da minha tia. Sendo uma mulher com o sentido prático da vida, e como não se está a ver ninguém dormir com um fechado e outro aberto,   não tendo outros inquilinos, arrendou o aquário ao vítreo. Foi o meu avô que lhe ofereceu o olho, mais para ganhar as graças da sogra e ficar oficializado o namoro com a minha avó, sua irmã , do que atenções à zarolha. Foi no entanto um gesto de simpatia. Um dia já sem memória que a bicheza das campas   as comeram ao mesmo tempo que as carnes, chegou a casa delas com um embrulho de papel pardo na mão e disse alheadamente: toma, a ver se encaixa. A minha tia desembrulhou-o na expectativa das testemunha

MARIA

A Maria   é encantadora. Sessenta e sete anos bem medidos, não em tamanho , mas na energia inesgotável. Não via a minha Maria há muito tempo. Ai o meu menino, fez-se homem. E abriu a porta da boca, agora só com dois dentes como porteiros. Sendo feia, tão feia, como consegue o sorriso mais espontâneo deste universo? Tão bonita a minha Maria! A explicação encontra-se na metafísica! Como vai a vida D. Maria? Vamos menino, vamos costurando as voltas a ver se nos deixa de rabear. E vai-se vivendo não é? tem que ser D. Maria.   E quanto tem de reforma? É um dois mais um cinco , um sete e seis e oito também. Chega-lhe? É poucachinha menino. E quando paga de renda de casa? Aí menino, esses números são todos repetidos, até me engano. Deixe ver: é um nove e outro e mais um e acaba num três. Esgotou-se-me o à vontade com as perguntas. A pior das vergonhas é quando a temos pelos outros, dobra. Facilitei-me demasiado, na â