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Mensagens

PIROPOS

Bom dia! Hoje vou dizer-vos carícias sussurradas nos sons da nossa intimidade. Enviar rodopiando pelos ares, piropos acrobáticos com ideias afoitas e apimentadas. Vai a caminho, num bater de asas e por pomba táxi, a flor que acabo de inventar, com cores inexistentes até ao momento em que a receberes. Hoje, é daqueles dias que desafio a minha timidez a entregar-vos em mão um cumprimento que vos vai deixar embaraçados, e vou mais longe: a flor e os piropos serão entregues com salamaleques e pantominas. Hoje, é um bom dia para fazer tudo isso. E cheguei a esta conclusão quando ainda estremunhado, me aguardava um pintaroxo no beiral da janela por onde olho o mundo, posto de vistas comigo, a desejar-me um bom dia. Considero que um fenómeno destes - tão raro - é um argumento mais que suficiente de plena felicidade. Partilho assim esta excelente boa disposição convosco. E desafio-vos a vivermos juntos este dia épico: r elatem-me em pormenor, o

UM PASSEIO A DOIS PELO CAMPO

Indiferentes – passam a vida nisto: fingem que não se veem - o ti Manel e o farrusco ancorados no mesmo sítio, cada um no croché dos seus pensamentos íntimos, ao calor das brasas da lareira. Terminaram o dia e as suas obrigações. Os acontecimentos, os actores e os espectadores deixaram vazias as cadeiras na plateia e saíram de palco. Apagaram-se os holofotes, os arrumadores limparam os sedimentos da poeira do dia, recolheram-se. O pano da noite cobre as pessoas e outros seres. O ajeitar das madeiras e outros materiais, interrompem a espaços a escuridão do silêncio, começa o turno dos fantasmas reais, dos imaginários e dos mundos dos outros mundos. É o horário das almas penadas, das fadas, dos gnomos, da trupe dos elfos e as suas traquinices. Fios de ideias esvoaçantes entram pelas janelas abertas, enfunam-se os cortinados, pisca a luz nos pavios das velas acesas, há correntes de ar que circulam nos interstícios das prateleiras dos arquivos pessoais. “Onde

O meu amigo romani

Tenho um lugar de estacionamento reservado, todos os dias da semana até às 8h30. Se me atraso, as coisas complicam-se e dou-lhe mais vinte cêntimos para conseguir outro decente, de acordo com os meus princípios.  Depois das manobras, seguindo as suas indicações e sinaléticas - como se eu tivesse uma limousina de cinco metros difícil de manobrar, quando a minha viatura, se estender o braço acaricio o vidro traseiro - fecho o veículo com um comando à distância, que me intriga por ainda funcionar, e dou-lhe a propina diária. - Bom dia chefe. Bom trabalho. - Bom dia chefe, obrigado. Foi a conversa mais profunda que tivemos nos últimos trezentos dias – descontando os descansos. Hoje é domingo, e estou numa galáxia distante da que habito nos outros dias da semana. Estou parado num sinal vermelho num bairro às portas da cidade. Não olhei mas sei por instinto que tenho um eléctrico amarelo ao meu lado. Distraío-me com a radio enquanto espero que os meus pais de

DESCULPEM-NOS

- Desculpe, não fiz de propósito! Só queria ir ao facebook colocar um autoretrato. Acho que pressionei o botão errado (as unhas de gel não dão jeito nenhum para teclar teclas de computador), e apagou-se tudo. -Deixe estar colega,não é a única, eu também peço desculpas. Errei nos cálculos, nunca tive queda para as matemáticas: para fazer o quinto ano dos liceus necessitei sempre de explicador. - É bom pedir desculpa, mais ainda quando o fazemos juntos, liberta-se o sentimento de culpa, de insucesso, a frustração de se estar sempre a errar. -Cara colega, a  dois, é tudo mais fácil. -Sabe por acaso o colega se aqui na repartição podemos frenquentar algum curso de computadores em horário pós laboral? - Já perguntou nos Recursos Humanos, se eles têm? Eu cá por mim já comecei a comprar uma colecção em fascículos semanais que sai no jornal. Chama-se: “como preencher uma folha de Excel”. Pode ser que tenha outros temas informáticos. - Obrigado colega, vou ver. Entr

Guerra

Não te sobressaltes, eu estou aqui, aninha-te na minha mão. Os sons estridentes que se ouvem no exterior não nos estão a chamar para a festa. As luzes coloridas que se veem no céu da janela da nossa casa, não estão a anunciar calendários de romarias. São sons maus e luzes feias, sons que violam os nossos ouvidos, luzes que cegam os nossos sentidos. Não nos deixam dormir, prenunciam uma guerra a bater à nossa porta. Não atendas, pode ser que vão embora. Vamos fingir que não estamos em casa. Apaga a luz, e finge. Os tambores estão a assustar os animais. Oiço-os balir, coitados dos animais. Imagino – mas não distingo os rostos - homens que fazem tremer o chão com os tacões das suas botas pretas infetas. Levam aos ombros estandartes de mau gosto, e caminham em uníssono para nos amedrontar e espetar os pálios aguçados nos locais das novas conquistas. Imagino que à sua frente, outros homens a quem ninguém pediu opinião, disfarçando o choro para dentro, para não

As festas da minha aldeia

Agosto é o melhor mês do ano. Gosto de todos, mas este, para mim, é o mais bonito dos nomes com que baptizámos as fatias do tempo. Agosto é o mês dos campos posto em sossego, da família que nos visita, das festas em honra da nossa padroeira. O Farrusco e eu andamos desvairados nos preparativos das festas da aldeia. O Farrusco é cão, mas é o meu familiar mais próximo. Os outros estão lá fora (porque raio se diz lá fora?), e é por essa razão que a comissão organizadora das festas da minha aldeia só tem dois elementos. Não há mais habitantes, e com os fantasmas não se conta, que eles para mexerem um dedo, está quieto! Só estorvam. É uma trabalheira doida, só uma pessoa e outra que é metade de pessoa, mas a vontade é muita e somos profissionais nos festejos, sentimentais portanto. Este casario é mais um lugarejo acanhado do que uma aldeia, mas tem igreja e escola, o que é fundamental para a sua dignidade de aldeia, apesar de não terem uso. Como somos pouco

Gosto muito das touradas

Dos moços de collants e jaquetas às flores, unidos a abraçarem o touro – alguns estão mesmo emocionados, encostam as suas cabeças e beijam-no. Dos rapazes montados nas mulas quase tão espertas como os cavalos - aos pinotes e piruetas - eles com chapéus de plumas ao vento, e majestáticas camisas de seda com folhos brancos. Dos paus com que eles brin cam com os animais  a fingir que espetam, mas não, embrulhadas ( as canas) em papelotes coloridos e com finos arpões de borracha – a fazer de metal - na ponta. Dos outros rapazes, igualmente de collants a sacudirem freneticamente uma espécie de tapete a atirar para o rosa, em frente do touro. Das filarmónicas que tocam músicas que entram no ouvido, fáceis de trautear. Do senhor da corneta, sempre de luvas (queimou as mãos quando entornou a panela de sopa de rabo de boi que estava a fazer) alvas, com uma gravata preta, apertada, em esforços de contenção das banhas do pescoço, ou do esforçado sopro no bocal da gaita