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Mensagens

EU SOU "BAGA"

Sabem o que é? uma cidade inteira de duas mil pessoas sem rosto nem identidade dizimadas por terroristas na quinta feira passada. Crianças feitas bomba pulverizadas em nome do nada, do zero absoluto, da total ausência de humanidade. Baga é na Nigéria, um sítio que não é sítio e totalmente desinteressante para nós, arautos da grande civilização ocidental, ocupados com os nossos pequenos dramas entre-portas. Só choramos e vamos aos funerais que estão à esquina da rua onde moramos.Os outros pouco nos tocam, são longe e mal frequentados... Sou Baga, sou Charlie, sou Maomé, sou Cristo, sou EU, ser individual que integra em si todas essas caras. Tenho o sonho mas não sei como o realizar de ver esses assassínos  alcançarem em vida a dimensão do Ser. Sei que é uma utopia e que haverá sempre uma quantidade indeterminada de seres tendencialmente bons e outra idêntica de seres tendencialmente maus, nos equilíbrios de leis que desconhecemos. Tenho no entanto esse sonho

PELA LIBERDADE

Um punhado de homens – doze, um número imenso – morreu pelas balas do mais hediondo dos inimigos: o ódio. Doze vidas cujas individualidades eram fundamentais no  bouquet  de sete mil milhões de cabeças que compõem a diversidade do universo que conhecemos. Flores insubstituíveis e de rara beleza, como quase todas são. Morreram de morte cruel – não há nenhuma que o não seja – pela arbitrariedade de animais sem alma, que nem sequer têm uma justificação para esse acto -impossível de ter quando se tira uma vida - movidos nas teias da loucura do vazio que os reveste. Amanhã o mundo continuará a ser admirável mas muito perigoso. Amanhã haverá novos sorrisos, e alegrias hão de brotar do coração dos homens, mas estes doze seres humanos vão fazer muita falta. Neste canto quase recôndito onde me pouso, saudo-vos, orgulhoso de partilhar convosco a aventura de pensar livremente. ATÉ AMANHÃ

O GRANDE SEQUESTRADOR

Pelo sopro que escapa na frincha de uma porta de uma cela, um indivíduo sequestrou um país, refém desavisado, pronto a morrer em vão – ou porque merece essa sorte – nas mãos de um grande manipulador. Vivemos o tempo do Homem -media que   alimenta o “homem-massa”(1),homem que “erra sem objectivos pela vida, livre de qualquer esforço intelectual, sem referências, verdades ou princípios orientadores. Sem orientação espiritual, e que se agarra às massas e deixa-se levar por elas”(1), só preocupado consigo e os seus ganhos de materialidade fácil. Os momentos efémeros de glória e posse (material) deste homem massificado afirmam-se na sorte de uma epifania a acontecer num centro comercial num dia com algum dinheiro no bolso, tudo se resume a isso e ao azedume persistente nos lábios. O homem-massa alimenta-se dos sensacionalismos, das banalidades, e de sonhar que um dia virá a conduzir fugazmente um   mercedes   branco. Este Homem- media   que agora se fala, é um prisioneiro

HISTÓRIA DE NATAL

Estava todo farruscas. O cão assustou-se claro – os pelos ficaram híspidos – e ladroou sem pedir autorização aos pulmões. - Sou eu farrusco – disse o ti Manel. O bicho reconheceu a voz do dono e acalmou o pranto. Quanto aos preparos em que este se apresentava não chegaria lá sem explicações mais convincentes. E ele era um canídeo inteligente. O estouvado do pastor – dera-lhe para ali – cobria-se com uma saca de serapilheira a fazer de casaca, cravejada a castanhas e nozes, com apontamentos de folhas vermelhas. Enfiada na cabeça, uma carapuça da mesma cor. Cada vez que ele meneava a cabeça, com um guizo a fazer de berloque no carapuço - a dar e dar - a barba, já de si branca, soltava uma espécie de poeira nívea. O sacana (cogitações do cão) tinha a cara e as mãos chamuscadas de preto. Preto? - Farrusco, estou de Pai Natal. O cão, que era o único indivíduo naquela casa que não se chegava ao bagaço, compreendeu o personagem que o dono estava a encarnar. Agora em preto, nu

O Paquistão e as comemorações do Natal

A notícia foi para o ar às 20h52, precisamente cinquenta e dois minutos após o início do Noticiário. Cinquenta e dois minutos preenchidos com assuntos prioritários – domésticos – os temas habituais. Nos episódios do mundo, neste dia também aconteceu um massacre, que só seria importante se não fossem mais importantes as luzes a acender e a apagar da árvore artificial. No Paquistão houve um atentado talibã. Morreram 132 crianças, mas não faz mal, porque lá não se comemora o Natal. Essa fatalidade não enegrece a comunhão entre os homens, que por essas bandas, esta época do ano diz-lhes pouco. Lá não se preocupam com o presépio, os pinheirinhos iluminados, o bom do bacalhau, os sonhos e as rabanadas, os presentinhos. São gentes sem preocupações e como tal amorais. Na Austrália morreram três pessoas, duas que estavam a tomar café na cafetaria errada, e a terceira que sendo bárbara quase não conta como pessoa.  Lá na Austrália, comemoram o Natal e todos pensavam que po

CONTO DE NATAL A UM SEM ABRIGO

Fome. Não é de pão, se bem esquecidos de uma refeição decente. Perdeu-se o apetite pela comida porque ela anda arredia. Faz-se um esforço de Hércules no auto controlo para manter a biologia no seu lugar: obrigatoriedade de viver porque não há outras oportunidades mais interessantes. Não é a fome que revolve os interiores, é a escassez de outros petiscos a cujo preço não se chega. Esses acepipes são palavras, que têm cores fortes, sons agudos, ingredientes de conceitos complexos e muito sérios. Revisite-se o cardápio: Estima. Haverá fatiota mais galante que esta? Calcorrear a calçada trajados de limpo? Lustrosos? Sorrir à cara cheia e estar sempre a tirar o chapéu em mímicas de pantomina aos transeuntes que passam incrédulos pela calçada? Deixar rasto, a espuma dos dias que passam. É isso, vincar o caminho. Útil. Todos os parceiros sem deixar de fora quem está sentado nas margens dos passeios. Dar a mão, receber outra, usar o seu impulso para o acontecimento

MANUAL DE ESCRITA CRIATIVA

- Desculpe mas olho para si e pelo ar latino, não vou falhar se disser que fala português. É verdade? - É verdade. - Tem tempo? Espero alguém. Quando esperamos é porque temos tempo. Digo que sim, se bem a intimidade com o café tenha ficado por aí - Já ouviu falar de escrita criativa? Sabe o que é? Interessa-se pela leitura? Perguntas difíceis. Tento pensar antes de me comprometer com uma resposta. Trata-se de um desconhecido e estou numa esplanada, local incómodo para nos encostarem à parede. Para além disso tenho dúvidas. Tenho sempre tantas dúvidas! - Acho que sei o que é escrita criativa - sobre a leitura mantenho-me calado. O homem, ainda jovem (trinta e poucos talvez) põe-me à frente dos olhos um volume de páginas A4 encadernadas com um espiralado plástico branco e uma mica transparente a fazer de capa.  Reparo, sem saber porque reparo, na gola acastanhada da t-shirt que já deixou de ser branca. Salta à vista esse rebordo na primeira linha da