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Mensagens

O SONHADOR

Alfredo Manuel espera que o mundo não acabe hoje  porque tem um sonho, dos que estão em falta, e quer realizá-lo.  Em todo o caso, a acabar, nunca acabaria para todos ao mesmo tempo, e até pode calhar ser dos últimos: a acabar com o mundo. Ele pertence aquele grupo talvez reduzido de pessoas, que dá vida aos sonhos: é um pragmático.  Esse seu sonho não é ideológico, não é excêntrico, nem se aproxima vagamente de uma utopia. Não é um egoísmo ou uma derivação narcisista. É uma ideia simples, tão simples que se pode perguntar porque motivo ainda não o concretizou. Pode ser que não seja assim tão simples e ele seja uma pessoa com boas intenções o que por vezes não basta. Alfredo Manuel quer fabricar a uma escala de linha de montagem com produção diária de centos de milhões, o comprimido da felicidade: o maior dos mais inantigíveis bens em estado de fruição permanente. Estão identificadas as hormonas do prazer e do bem-estar, sabem-se os assuntos que arreliam os homens, desc

O GINASTA MÍSTICO

Homem com umas consideráveis dezenas de anos. Uma cruz de madeira, pequena, com suficiência de ser visível relativamente longe, pende-lhe do peito. No mesmo local, o homem portador da cruz ao peito, cirandando neste jardim público onde num dia recentemente passado , uma mulher jovem com aspecto disso, na hora do seu almoço e de outros que  ali estavam pelo mesmo motivo, foi apanhada supostamente a ler um livro - tinha-o aberto pousado castamente sobre o  regaço e ela parecia embrenhada nele.  Cena pouco comum que ficou notificada em instantâneo próprio de um mirone possivelmente inquinado nas apreciações que faz sobre os transeuntes - descomplicados eles, ele não -, com que se cruza. Não há relação estabelecida entre os dois, só o local é o mesmo, e aparentemente acontecem fenómenos fora do comum neste nó da cidade, na realidade uma quase praceta com relvado e parque infantil, ambos em plano inclinado, a inclinar para quem desce no sentido da igreja da nossa Senhora de Fátima.

INTERMITÊNCIAS DE UMA VIDA

É um local bem arranjado. Não é bem um jardim, pode vir a ser no futuro. Basta um quiosque com esplanada, bancos aleatoriamente colocados, talvez um pequeno parque infantil, e ganha a identidade de um parque urbano, nome dos boletins camarários por que são conhecidos os jardins, que também já foram parques públicos. Na realidade, é um aproveitamento inteligente de um espaço aparentemente inútil. Explicando melhor, o que existe escondido dos olhos de quem passa - terra adentro - é um reservatório de água potável, que serve os habitantes da cidade. À superfície, anos e anos que se perdeu a conta de quantos, primeiro foi um parque de estacionamento de autocarros dos transportes públicos, depois um relvado aparado para receber bolas de golfe expelidas por utentes carregados de stress e das adrenalinas diárias de negócios de risco e de especulação - que não vingou nessa missão humanitária, por a obra ter sido embargada. Depois, foi um depósito de ervas várias e daninhas, desc

PAUSA

Uma semana com expectativas, quando o verão começa a preparar a bagagem, em que tudo fica menos extremado, e as condições gerais do mundo suavizam. Um calor que agora se aceita melhor, uma luz que já não encadeia, menos amarela, purificada de partículas suspensas que sujam o ar. As brisas sem chegarem a ventos, refrescam os finais de dia. Neste final de verão, as bombas ainda não caíram, nem morreram inocentes. Há palavras, poucas mas há, que ainda podem decidir tudo. E tudo, por exemplo mais que suficiente, pode ser, Que amanhã seja de novo um dia assim, na paz do cair do pano no lusco-fusco, a pensar nas coisas da vida que não gostaríamos ter de viver.

ONTEM - FOLHETIM 8

…Ela inclinou-se propositadamente para o beijar na cara fazendo antever o que seria uma escalada gloriosa das suas mãos àqueles montes divinos, para pagar uma qualquer promessa, uma purificação. A ver no que vai dar. Deu em nada, a Teresa beijou-o de raspão e foi brincar com a sua irmã e as amigas, fechadas no quarto em sussurinhos irritantes de jovenzinhas. Algumas quase tinham bigode como as criadas, só a Teresa era bonita. Era esse agora o seu pensamento, a sua vingança mental contra todas as raparigas, conhecidas e desconhecidas e até estrangeiras: apor-lhes pilosidades intensas no buço. Uma desculpa a si mesmo pelo facto de a Teresa não lhe ter proporcionado a realização dos sonhos em folhetins diários, dos últimos dias, em que se imaginava a afagar as linhas onduladas de um corpo jovem belo, grego, tendo  arrepios internos e externos de intensidade nunca sentida, a primeira vez, parece que o universo inteiro vai explodir em fogo-de-artifício.  Apesar da frustra

CONFIDÊNCIA

Sobre a remota possibilidade de um equívoco.  Não faço poesia, pela responsabilidade que não posso assumir,pela construção honesta de um simples verso. A poesia é feita por seres que desconheço a designação, mas que não são humanos. Sendo-o eu, esclareço que escrevo banalidades com frases separadas por linhas,só porque me orientam melhor no espaço,  e porque eventualmente, se forem lidas por alguém, facilita-lhes a aproximação dos óculos e a focagem. Nada mais do que isso. Esta é a minha intenção de poesia. Ah, e não sei rimar, o que para muitos é um pecado capital.

SETEMBRO E LISBOA

      Créditos Helena Simões da Costa S ente-se o epílogo do verão na acalmia do calor ao entardecer. Os dias equilibram-se com as noites, as manhãs estão mais frescas. Lisboa vive a sua glória, os melhores ocasos do ano. O sol despede-se alinhado com a entrada do Tejo no mar, fingindo-se debruçado sobre uma janela que não existe à sua espera. O céu deixa de ser o pouco mais que azul, dos dias de quotidiano obrigatório e projecta uma profusão desbragada de cores intensas, numa luminescência teatral. O prémio para a mais bela cidade dos arredores reside nessa excentricidade sua, que é minha e intransmissível, sob a perspectiva do meu sentido de posse. E, Se um dia, nos meus dias, esse espectáculo esmorecer, tenho a projecção da excentricidade colada na parede que me reveste o interior. A minha decoração privada para momentos de névoa intensa, que são bonitos, mas insegu