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Mensagens

O PASSARINHO

Vi um passarinho morto, Num beiral de um passeio. Estava hirto, o passarinho, Mas era verde, e algumas asas, poucas, amarelas. Estava morto mas era bonito. O que não é normal dizer quando se está morto. Encontra-se de tudo nas ruas, E os passarinhos são vistosos voando ou não, Dependendo do apreço que temos pelo verde, as outras cores, e os sinais de vida verdadeira, ou de morte obrigatória.

PRAGA URBANA

Algumas árvores nas cidades estão sinalizadas. Algumas mas mesmo assim é pouco. Temos que desconfiar. Primeiro está a nossa segurança e a dos nossos. Mesmo sinalizadas, causam estragos, Beliscam a auto-estima dos autarcas e também matam pessoas. Estão identificadas com uma cruz, mas quem o fez não as abateu por ser tíbio. Devemos sempre desconfiar. E denunciar. Porque ainda há árvores na cidade não sinalizadas. Seria muito mais seguro se não houvesse árvores, Mas os autarcas são frouxos e as pessoas têm um carácter débil e fraquejam. Têm pena, Até das inúteis das árvores

O SONHADOR

Alfredo Manuel espera que o mundo não acabe hoje  porque tem um sonho, dos que estão em falta, e quer realizá-lo.  Em todo o caso, a acabar, nunca acabaria para todos ao mesmo tempo, e até pode calhar ser dos últimos: a acabar com o mundo. Ele pertence aquele grupo talvez reduzido de pessoas, que dá vida aos sonhos: é um pragmático.  Esse seu sonho não é ideológico, não é excêntrico, nem se aproxima vagamente de uma utopia. Não é um egoísmo ou uma derivação narcisista. É uma ideia simples, tão simples que se pode perguntar porque motivo ainda não o concretizou. Pode ser que não seja assim tão simples e ele seja uma pessoa com boas intenções o que por vezes não basta. Alfredo Manuel quer fabricar a uma escala de linha de montagem com produção diária de centos de milhões, o comprimido da felicidade: o maior dos mais inantigíveis bens em estado de fruição permanente. Estão identificadas as hormonas do prazer e do bem-estar, sabem-se os assuntos que arreliam os homens, desc

O GINASTA MÍSTICO

Homem com umas consideráveis dezenas de anos. Uma cruz de madeira, pequena, com suficiência de ser visível relativamente longe, pende-lhe do peito. No mesmo local, o homem portador da cruz ao peito, cirandando neste jardim público onde num dia recentemente passado , uma mulher jovem com aspecto disso, na hora do seu almoço e de outros que  ali estavam pelo mesmo motivo, foi apanhada supostamente a ler um livro - tinha-o aberto pousado castamente sobre o  regaço e ela parecia embrenhada nele.  Cena pouco comum que ficou notificada em instantâneo próprio de um mirone possivelmente inquinado nas apreciações que faz sobre os transeuntes - descomplicados eles, ele não -, com que se cruza. Não há relação estabelecida entre os dois, só o local é o mesmo, e aparentemente acontecem fenómenos fora do comum neste nó da cidade, na realidade uma quase praceta com relvado e parque infantil, ambos em plano inclinado, a inclinar para quem desce no sentido da igreja da nossa Senhora de Fátima.

INTERMITÊNCIAS DE UMA VIDA

É um local bem arranjado. Não é bem um jardim, pode vir a ser no futuro. Basta um quiosque com esplanada, bancos aleatoriamente colocados, talvez um pequeno parque infantil, e ganha a identidade de um parque urbano, nome dos boletins camarários por que são conhecidos os jardins, que também já foram parques públicos. Na realidade, é um aproveitamento inteligente de um espaço aparentemente inútil. Explicando melhor, o que existe escondido dos olhos de quem passa - terra adentro - é um reservatório de água potável, que serve os habitantes da cidade. À superfície, anos e anos que se perdeu a conta de quantos, primeiro foi um parque de estacionamento de autocarros dos transportes públicos, depois um relvado aparado para receber bolas de golfe expelidas por utentes carregados de stress e das adrenalinas diárias de negócios de risco e de especulação - que não vingou nessa missão humanitária, por a obra ter sido embargada. Depois, foi um depósito de ervas várias e daninhas, desc

PAUSA

Uma semana com expectativas, quando o verão começa a preparar a bagagem, em que tudo fica menos extremado, e as condições gerais do mundo suavizam. Um calor que agora se aceita melhor, uma luz que já não encadeia, menos amarela, purificada de partículas suspensas que sujam o ar. As brisas sem chegarem a ventos, refrescam os finais de dia. Neste final de verão, as bombas ainda não caíram, nem morreram inocentes. Há palavras, poucas mas há, que ainda podem decidir tudo. E tudo, por exemplo mais que suficiente, pode ser, Que amanhã seja de novo um dia assim, na paz do cair do pano no lusco-fusco, a pensar nas coisas da vida que não gostaríamos ter de viver.

ONTEM - FOLHETIM 8

…Ela inclinou-se propositadamente para o beijar na cara fazendo antever o que seria uma escalada gloriosa das suas mãos àqueles montes divinos, para pagar uma qualquer promessa, uma purificação. A ver no que vai dar. Deu em nada, a Teresa beijou-o de raspão e foi brincar com a sua irmã e as amigas, fechadas no quarto em sussurinhos irritantes de jovenzinhas. Algumas quase tinham bigode como as criadas, só a Teresa era bonita. Era esse agora o seu pensamento, a sua vingança mental contra todas as raparigas, conhecidas e desconhecidas e até estrangeiras: apor-lhes pilosidades intensas no buço. Uma desculpa a si mesmo pelo facto de a Teresa não lhe ter proporcionado a realização dos sonhos em folhetins diários, dos últimos dias, em que se imaginava a afagar as linhas onduladas de um corpo jovem belo, grego, tendo  arrepios internos e externos de intensidade nunca sentida, a primeira vez, parece que o universo inteiro vai explodir em fogo-de-artifício.  Apesar da frustra