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MOEDINHA?

O truque é a abstracção. Não é pensar abstracto, é abstrair-se, escapar para longe ficando no mesmo sítio. É quase uma coisa de iogui avançado. Iliana fazia-o desde pequena, aprendeu com a mãe, que já vinha da avó e daí para trás. Iliana é muito viajada, apesar de ainda ser jovem. Conhece a Europa de uma ponta a outra, de Norte a Sul. A boa Europa claro, a rica. Nomeie-se uma praça, um monumento, uma rua comercial, ela conhece-as todas. Não de nome, mas já lá esteve, e esteve constantemente estando, não é como os turistas que estão de fugida. Não, ela é uma viajante de permanências prolongadas. Deve o seu cosmopolitismo a esse poder de abstracção. Quase um dom. Sem essa capacidade, como seria possível aguentar estar um dia inteiro, sentada no passeio com um copo de plástico na mão, a mendigar para esse copo quase sempre vazio, em frente a um belo restaurante com um belo terraço com janelas panorâmicas, de vidro, corridas do chão ao tecto com um sistema basculan

O SENHOR M

Andamos às voltas com o relato, o mais fidedigno que se pode e em esforço, do senhor M, um homem que é conforme da maior das considerações e que merece ser relatado apropriadamente. Por nada de especial mas porque todos os senhores e senhoras correndo o alfabeto dos nomes, merecem a homenagem de estarem vivos ou de já terem estado nessa situação, e uma homenagem é um acontecimento bonito porque a história do viver não é fácil de contar nem ela mesma de se  viver ao vivo. Assim, já sabem que o senhor M gosta de apanhar sol e fumar cachimbo. De ler, igualmente. O que ainda não sabem, mas espera-se vir a contar, é que ele já foi um homem muitíssimo enxuto, e chegou mesmo a embevecer duas ou três (foram três) bailarinas de tango. Não por ter sido um grande dançador, mas porque os trejeitos de volta que ele punha na dança, deixava-as desconcertadas, na dúvida de se seria realmente um grande bailarino desalinhado, ou um homem com outros potenciais. Era isso, teve na sua mão pe

MANUAL DOS SOLITÁRIOS

I -  Anda Farrusco, vamos acordar as ovelhas . O cão, enorme, abentesma naquela quase escuridão,  do tamanho de um homem bem medido, nem se mexeu. Ou antes, entreabriu o olho direito, o que estava mais próximo do dono e olhou-o desinteressantemente. Voltou à posição de estátua marmórea. A modorra das cinzas ainda quentes, espalhadas na lareira, a parecerem larvas incandescentes de um vulcão apagado – que faz as funções de fogão – meio mortiças, aqueciam sofrívelmente o casebre construído de pedra granítica daqueles lugares. Ficar por ali o mais que pudesse, era intenção do animal. Todos os dias pensava nisto, e nunca se realizava essa ambição. Um cão pastor não tem domingos nem folgas. Uma enxerga, que com muito boa vontade poderá imaginar-se cama, uma mesa bamba, um par de cadeiras, um escano junto ao lugar do fogo e um pouco mais de nadas, são os adereços de cena. Não há candeeiros, só lâmpadas cheias, envoltas de pó, às camadas, tantas que fazem de